Foto: Reprodução, InstagramA meio-campista islandesa Sara Björk Gunnarsdóttir, ex-jogadora do Lyon, com seu filho, Ragnar, no colo

Mamãe marcou um gol

Apenas 2% das jogadoras de futebol tinham filhos em 2017. Uma mudança no protocolo da Fifa deve aumentar o número
28.07.23

“Não ser mãe é a coisa mais difícil do mundo”, escreve a canadense Sheila Heti no romance Maternidade (Companhia das Letras), sobre os dilemas de uma mulher que não quer ter filhos. A seleção brasileira que disputa a Copa do Mundo feminina deste ano tem apenas uma mãe no elenco: a lateral-esquerda Tamires deu à luz Bernardo há 14 anos, quando tinha 21. Mesmo levando em conta o resultado do último Censo, que expôs um crescimento populacional menor que o esperado no Brasil, uma única mãe num time de 23 é muito pouco. Por que as jogadoras de futebol não têm filhos? Segundo a britânica The Economist, porque, até outro dia, não estava claro como os clubes e seleções deveriam tratar do assunto.

Uma pesquisa feita em 2017 pelo sindicato internacional de jogadores de futebol (FIFPro) indicou que apenas 2% das jogadoras eram mães. Cerca de metade delas (45%) dizia esperar a aposentadoria para engravidar. Em 2019, associações de Espanha e Argentina buscaram o sindicato internacional para se informar sobre o protocolo. Ficou decidido que as jogadoras têm direito a pelo menos 14 semanas de licença-maternidade, das quais ao menos oito após dar à luz. Os clubes devem seguir pagando o salário durante a gravidez, ainda que a jogadora decida parar de jogar, e devem arcar com dois terços do ordenado durante a licença-maternidade.

O primeiro grande teste do protocolo não foi bom. Em 2021, a meio-campista islandesa Sara Björk Gunnarsdóttir combinou com o francês Lyon, campeão da Champions League feminina oito vezes, que passaria a metade final de sua gravidez na Islândia, para se precaver contra a Covid-19. Seu salário chegou atrasado nos dois primeiros meses. A partir daí, o clube informou que seguiria o que determina a lei francesa, e não o regulamento da Fifa, e interrompeu os pagamentos. “Essas regras eram bem novas, mas eu as conhecia vagamente por causa de uma conversa aleatória que tive com algumas jogadoras um dia”, conta Sara em artigo publicado em janeiro no The Players’ Tribune.

“Isso foi antes de eu engravidar. Lembro que estávamos falando sobre crianças e disseram: ‘Sim, não há segurança para nós’. E eu lembro especificamente que [a americana] Jodie Taylor estava sentada nessa mesa, e ela disse que a FIFPro estava tratando de gravidez e licença-maternidade para jogadoras profissionais de futebol. Achei legal, mas realmente não me aprofundei na época”, segue a islandesa no relato. Após o nascimento de Ragnar (na foto), Sara voltou aos treinamentos na França enquanto o sindicato cobrava na Fifa seus salários. A relação com o clube azedou. O Lyon foi obrigado a pagar os atrasados, e a meio-campista assinou contrato com a Juventus, da Itália.

“A vitória foi maior do que eu. Parecia uma garantia de segurança financeira para todas as jogadoras que desejam ter um filho durante a carreira. Que não é um ‘talvez’ ou uma incógnita”, resumiu Sara. A sempre favorita seleção americana, notabilizada por encampar uma batalha judicial que equalizou suas premiações às dos compatriotas da seleção masculina, tem três mães no elenco. Entre elas está Alex Morgan, melhor jogadora do mundo em 2015 e 2019. As três levaram seus filhos para a Copa — a federação americana banca passagens, acomodações e refeições de crianças até seis anos e de seus cuidadores.

É o tipo de custo que, num mercado como o brasileiro, que ainda tenta se estabelecer, pode tornar o caminho ainda mais difícil. A FIFPro pretende ampliar os direitos, elevando a licença-maternidade pós-parto de 8 para 12 semanas, estendendo benefícios para mães adotivas e protegendo as jogadoras que estiverem com os contratos para expirar durante a gravidez. De qualquer forma, esse parece um caminho sem volta, ainda que as mudanças demorem para se estabelecer. “Ela não quer um bebê — mas o corpo dela não acredita nela. Lá no fundo, ninguém acredita nela. Lá no fundo, nem ela acredita em si própria”, diz a narradora de Heti.

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  1. Que se garanta segurança financeira às profissionais que queiram engravidar está mais do correto. Mas há forte probabilidade das jogadoras optarem por engravidar após o fim da carreira por não quererem ficar afastadas por tanto tempo (em esporte de alto nível isso é um enorme problema) ou perder tempo de carreira justamente nos seus melhores anos de carreira. Tendo em conta que ter filhos a partir dos 35 anos é seguro e natural, parece-me uma decisão muito compreensível

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