Foto: Ricardo Stuckert/PR

A linha que separa Lula 3 de Dilma 2

Há quem aceite fingir que Dilma nunca existiu ou que Lula não tenha nada a ver com o desastre econômico de seu governo; é uma tremenda injustiça
28.07.23

Era outubro de 2014, véspera de uma eleição que se tornaria a mais acirrada da história brasileira. O Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, previa divulgar naquele mês um relatório apontando que, pela primeira vez em dez anos, a pobreza havia voltado a subir no Brasil em 2013.

O órgão desistiu, ou foi “desistido”, de publicar o estudo, alegando possíveis perturbações no cenário político. O relatório acabou saindo no início de novembro. Naquela época, Dilma Rousseff já estava reeleita. O problema de 2013, que se aprofundaria na grande depressão econômica brasileira de 2014-16, era problema para o futuro.

A decisão do Ipea, claro, contrastava com o clima da campanha. No ar, João Santana colocou o boneco Pessimildo, para satirizar qualquer um que levantasse dúvidas sobre a saúde econômica do país.

PIB desacelerando, inflação subindo, contas públicas deteriorando e outros detalhes eram papo de “pessimildos”.

Fato é que deu ruim, muito ruim. O desastre econômico que se acentuou após a eleição foi superior ao da pandemia, nos legando uma década de crescimento menor do que nos anos 80, tradicionalmente conhecidos como “a década perdida”.

Nos anos seguintes, uma ala que ainda via esperança de resgatar a imagem da presidentA tratou de buscar bodes expiatórios. Era culpa da crise internacional, da chuva, do vento (não estocado), do Aécio, do MBL, do Cunha, da Lava Jato, do FBI, enfim. Segundo consta, há inúmeros culpados, mas em nenhum, nem sequer entre a direita, há as digitais de Luiz Inácio.

Não há menção de que Lula iniciou um ciclo de atividade pró-cíclica na economia, levando o Tesouro a aportar R$ 424 bilhões no BNDES. Não há menção de que Lula tornou praxe a contabilidade criativa com Guido Mantega, o ministro da Fazenda de Dilma que comandou o ministério em seis anos de Lula.

Também não há menção de que Lula tenha criado (com Dilma ministra), o novo marco regulatório do pré-sal em 2008, afastando centenas de bilhões em investimentos e sobrecarregando a Petrobras.

Não. Segundo a narrativa dos dois lados, é tudo culpa de Dilma e sua inabilidade política. Ou, para os mais gentis com a presidenta, culpa de golpistas traiçoeiros.

Lula, porém, fica com os louros de um crescimento do PIB que chegou a 7% em 2010. É tão simples —e explicitamente machista— quanto isso.

Ocorre que, conforme Lula 3 avança, as similaridades com Dilma voltam a clarear a memória.

Vejo inúmeros comentários, de analistas profissionais ou não, brincando com a ideia de que Lula tenha se tornado mais “radical”, ou ao menos despudorado.

Se, afinal, Lula reverteu condenações de 9 juízes e enfrentou 16 processos, além de 500 dias de prisão, e ainda terminou sentado na cadeira de presidente, quem aqui poderia dizer que não ficaria convencido de si? Somos apesar de tudo humanos, assim como Lula, ainda que muitos se neguem a acreditar nisso.

Para mim, entretanto, não há radicalismo algum que não estivesse posto antes. Lula é o mesmo. A visão das pessoas é que mudou.

Lula ainda acredita que é possível ficarmos ricos gastando. Que o crédito move o capitalismo, mas não apenas isso: que o crédito é uma ferramenta etérea, produzida única e exclusivamente pelo desejo político. Trata-se de uma visão que você encontrará em qualquer órgão do corpo estudantil, ou em campanhas políticas, traduzida como “é preciso ter vontade política”.

É uma promessa tentadora. É como o quadro do Zorra Total em que Fabiana Karla encarnava a nutricionista sugerindo pudim, bolo de chocolate e outras guloseimas aos pacientes que buscavam emagrecer.

Ficar rico gastando é tentador. E, no fundo, é a forma como o governo atual e tantos outros no passado enxergam.

Do ponto de vista político, é o melhor dos mundos. As pessoas se sentem felizes ao consumir. E pessoas felizes não querem mudanças políticas.

Mas, claro, a realidade é que, faça chuva ou faça sol, a fatura do cartão chegará na sua casa. Como chega também na economia. Ainda que se venha a dizer que “a economia de um país não é como uma economia doméstica” — o que é verdade, pois pessoas comuns não podem imprimir dinheiro e roubar a população com inflação, ao contrário do governo— , certas regras continuam válidas.

A riqueza é fruto de acumulação e especialização. Não do ato de gastar.

Mas Lula 3 não é Dilma 2, ainda que a essência possa soar parecida. Lula 3 tem na Fazenda Fernando Haddad.

Em novembro passado, escrevi em O Antagonista que Haddad se mostraria um nome sensato, comparado à média dos economistas petistas. Ressaltei ainda que Haddad discorda de Dilma em política econômica, relembrando uma disputa entre ambos em 2013.

Mas reforcei nesse mesmo texto, intitulado “Lula escala Haddad para sua quarta derrota seguida”, que na melhor das hipóteses teríamos de confiar na habilidade política de Fernando Haddad. Uma opção nada otimista.

Reitero o que mencionei, após sete meses de governo: Haddad se mostrou um nome razoável. Não é de fazer promessas e emplacou uma boa vitória ao apoiar uma reforma tributária de autoria do Congresso.

Mas reitero sobretudo que Haddad possui pouca luz própria em política.

Haddad é, como também foi um grande professor que tive em épocas de faculdade, um político que “dá um jeito”. Ele recebe a ordem e busca enquadrar de forma a parecer algo palatável.

Sua missão é transformar subsídio para montadora de automóvel em uma política bem-vista, ainda que na semana anterior tenha dito que há subsídios demais no país.

Sua missão é dar um jeito de limpar o balanço dos bancos para emprestar mais e incentivar o consumo, ao mesmo tempo em que busca criar condições para a queda dos juros.

Mas há uma grande diferença, e a mais relevante, que mostra os motivos de Lula 3 não ser Dilma 2: impostos.

Dilma 2 terminou erodindo a situação econômica do país e as contas públicas. Lula, Haddad e o PT sabem disso. Esse é o motivo pelo qual, enquanto anunciam gastos e desonerações, também irão aumentar impostos.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. Lula 3 será, digo, já é o catiço. Mais impostos para a classe média bancar o luxo de burocratas ord1nários e a escalação providencial de um impostor para comandar o IBGE, prontinho para fraudar todos os índices incômodos à 4ilha. Os brasileiros já viram esse péssimo filme na Argentina, inflação real totalmente divorciada da inflação oficial, mas brasileiro sabe como é, não aprende com o erro alheio, preciso sofrer na carne. Bem-vindos ao maraviliozo mundo da estatística criativa. Coisa do 👿‼️

  2. Só idiotas ignoram que DilmANTA foi o Lula foi o Lula 3 e 4, ignorante, analfabeta, ridícula e cínica, mero capacho.

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