O cineasta integral
O cineasta Walter Hugo Khouri produziu uma obra autoral com grande sucesso comercial, de modo inédito no cinema brasileiro
Existe uma divisão bastante clara entre o cinema comercial e o cinema autoral, inclusive circuitos diferentes exibem cada tipo de filme. Como se sabe, o cinema autoral tem no diretor a principal força criativa, enquanto no cinema comercial o diretor é parte de uma engrenagem dentro dos grandes estúdios.
Existem intercessões entre esses dois circuitos: os filmes de Quentin Tarantino, por exemplo, são autorais e dispuseram da estrutura dos grandes estúdios. O mesmo teve Stanley Kubrick. Não raro acontece também de um filme fazer sucesso no circuito alternativo e chegar ao comercial.
Mas existe um cineasta brasileiro que realizou uma obra profundamente autoral e obteve grande sucesso comercial. Não consigo pensar em nenhum caso semelhante em nosso país. Trata-se de Walter Hugo Khouri.
O cineasta paulistano deixou uma vasta obra, são cerca de 26 filmes, e obteve grandes sucessos comerciais, atingindo milhões de espectadores, sem precisar comprometer a sua produção com os lugares-comuns do cinema comercial.
Khouri tinha também um excepcional versatilidade: poderia ocupar todas as funções de um filme: produção, direção de fotografia, câmera, roteiro, direção etc. Ele precisou inventar um codinome para colocar nos créditos – Rupert Khouri – para não ficar repetindo o próprio nome em diversas funções. Dizia que podia fazer um filme inteiro em sua casa, com uma câmera.
Ao mesmo tempo, tratava de temas extremamente complexos como filosofia e psicanálise – a única referência cinematográfica que já vi ao Teste de Szondi foi num filme seu – sem jamais ser hermético, muito pelo contrário.
Walter Hugo Khouri conseguiu produzir uma obra com uma grande densidade intelectual e psicológica, sem nenhuma forma de pedantismo – os enredos dos seus filmes são atrativos por si mesmos. Ele usava trilhas sonoras originais, compostas por Rogério Duprat, por exemplo, mas também musica clássica e jazz. Tinha um conhecimento musical muito grande e sabia desencavar peças desconhecidas.
Khouri trouxe ao cinema brasileiro um novo patamar de profissionalismo não só no aspecto técnico, mas no artístico mesmo: na escolha dos atores (chama atenção a beleza das atrizes que ele introduzia em seus filmes), na decupagem das cenas, na abordagem de temas complicados como incesto, por exemplo, e na ilustração de teorias psicológicas como a de Carl Gustav Jung, que ele usa no filme As Deusas.
Ele chegou a fazer filmes de gênero – como soft porn (que muitas vezes foram classificados como pornochancadas), suspense e terror. Mas todos são profundamente autorais, é possível ver a sua marca em cada plano. Alguns dos seus filmes – como Amor, estranho amor, que virou polêmico por causa de Xuxa– tiveram milhões de espectadores. É como se o cineasta fosse ele próprio uma indústria do cinema. Não é à toa que a Companhia Vera Cruz, que foi uma tentativa de fazer um grande estúdio de cinema no Brasil, foi comprada pelo cineasta e até hoje pertence à sua família.
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