Psoríase, Carnaval, política, crime e castigo
O folião é alguém esmagado sob o peso da responsabilidade de se divertir de modo exaustivo; é possível ver nos seus olhos o desespero do estivador enquanto se arrasta pelo asfalto urinado
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Sim, é possível julgar esteticamente doenças de pele, como se manchas de psoríase fossem quadros abstratos. Por que não? Se você insistir em fazer isso, vá em frente. Mas não há maneira melhor de passar o tempo?– comigo inclusive – e não vai ouvir uma opinião política que não seja um desequilíbrio emocional disfarçado. * “Crime e Castigo” é um livro que demonstra a universalidade do desejo de dar machadadas em pessoas burras. Depois Raskolnikov se arrepende (“acho que exagerei”), mas o impulso é compreensível e universal. * Se um dia eu estiver andando na rua e cair um piano na minha cabeça, um moderado há de escrever nos jornais: “Não posso compactuar nem com os excessos do Alexandre, nem com os do piano.” * Eu tenho pena dele. Vocês sabem de quem. O grande solitário. O capitão. O tiozão de churrasco. O bruto. O tacanho. O esfaqueado. O mas-o-que-que-é-isso. Aquele que agora suplica que as pessoas saiam para a rua para apoiá-lo no dia 25. Era um tipo comum, até poucos anos atrás; só um pouco abjeto, um pouco simpático também, com ambições moderadas, pescando e tal; e teria sido assim a vida inteira. Mas um dia o Espírito passou por ele, e deu um certo carisma, e as pessoas se empolgaram, e ele se empolgou; e o Espírito foi embora, e as pessoas foram embora; e agora sobra ele lá meio patético, sofrendo as consequências para o resto da vida.
É como julgar esteticamente os restos de decoração de uma festa infantil, à uma da manhã, depois que as crianças e os pais foram embora: os papéis coloridos esmagados no chão com variadas marcas de tênis, os rostos de personagens infantis levemente deformados, as bandejinhas com manchas de brigadeiro, os tocos de cigarro dentro do copo de guaraná sem gás. Me ensinaram na escola que o Carnaval era a inversão temporária da vida real — uma interrupção abrupta da responsabilidade, da disciplina, da ordem, da seriedade. Mas a mim me parece, vendo as imagens dos bloquinhos e dos desfiles das escolas de samba, ou pelo menos imaginando que estou vendo essas coisas, porque na verdade este ano consegui não ver nenhuma imagem — High five!… — enfim, a mim me parece que o Carnaval é não a interrupção mas a intensificação súbita, durante vários dias, da responsabilidade, da disciplina, da ordem e da seriedade. O folião é alguém esmagado sob o peso da responsabilidade de se divertir de modo exaustivo; é possível ver nos seus olhos o desespero do estivador enquanto se arrasta pelo asfalto urinado; ele é um operário da folia, um proletário do remelexo, um estressado gerente administrativo da alegria esfuziante, fazendo planilhas de Excel da sua dopamina, relatórios horários da sua rígida descontração. Acabado o Carnaval, ele relaxa; e para nada na sua vida profissional usará tanto foco, tanta tensão nervosa, tanta capacidade organizacional e energia psíquica quanto teve que usar para se divertir. Mas no trabalho só ganhará dinheiro e reconhecimento como recompensa do seu esforço, ao contrário dos sapinhos e do leve ardor ao urinar que recebeu de bônus nos dias de produtividade ensandecida do Carnaval. * Vejo Itamar Vieira Junior dizer para a Folha de S. Paulo: “Escrevo para tornar a vida de uma líder quilombola responsabilidade de todos que querem um país mais justo”. Uma mentira, evidentemente: é óbvio que ninguém escreve por ser bondoso demais para conseguir ficar sem escrever, e todo mundo só escreve porque acha que leva jeito para a coisa. É natural fazer aquilo que achamos que sentimos que fazemos bem — não é preciso inventar essas justificativas pomposas para si mesmo. E enfim, algumas perguntas: 1 - Eu não quero um país mais justo. Não muito, pelo menos. Não é algo que ocupe muito a minha mente. Isso me exime dessa responsabilidade por essa hipotética líder quilombola? 2 - Por que “uma líder”? Por que o desprezo pelos líderes quilombolas homens? 3 - O que são quilombolas? Eu até hoje não sei exatamente o que são quilombolas, e suspeito que é um negócio que nem existe de verdade, cá entre nós. Sem sequer googlar para vencer a minha ignorância, aposto minha alma que é alguma picaretagem. * Converse com mil pessoas, de direita, esquerda ou centro
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Comentários (5)
Maria
2024-02-18 13:28:32Ah, eu não tenho pena dele! Talvez eu lhe desse uma ovada, se tivesse oportunidade.
Marcia Elizabeth Brunetti
2024-02-17 15:06:49Adorável sua crônica. Nesta aqui sintetizou perfeitamente o que percebemos do nosso carnaval. Eu, pelo menos, eu me identifiquei plenamente. Obrigada, Alexandre.
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2024-02-17 12:02:46Crime e castigo é genial, mas essa síntese nem é tão descabida assim kkkkkk
José Wanderley Pereira Filho
2024-02-16 15:36:52Sobre o desequilíbrio emocional que posa de opinião política, pior que ser desequilíbrio é ser disfarce, pela pretensão de se passar por senso de justiça, por manifestação superior de inteligência ou de amor pela humanidade, quando, na maior parte das vezes, não passa ressentimento. É sempre sobre ressentimento.
MAX
2024-02-16 13:32:50Insisto sempre: A coluna do Alexandre tinha que ser semanal. Deixem de ser morrinhas e paguem logo para ele por um artigo por semana.