A política dos "cortes"
Campanha eleitoral deste ano têm bizarrices sem fim e até operação da Polícia Federal por uso de lança-chamas em um comício
Prefeito de Baurité (CE) e candidato à reeleição, Herberlh Mota (Republicanos) foi alvo de uma operação da Polícia Federal na terça-feira, 3. Os investigadores bateram à sua porta porque ele disparou um lança-chamas em um de seus comícios. Mota estava no alto de um carro de som e acionou o equipamento com um único propósito: lacrar nas redes sociais.
"Apurou-se que essa ação temerária está diretamente relacionada ao contexto eleitoral, onde o uso do equipamento incendiário parece simbolizar poder", diz o relatório da PF. Segundo os agentes, os riscos do acionamento do lança-chamas foram completamente desprezados: o perigo de causar um incêndio, ferir pessoas e causar danos a terceiros.
Herberlh Mota parece ter levado ao pé da letra a ideia de que a política pode prescindir completamente de discussões sérias e limitar-se à pirotecnia dos embates de caráter pessoal, das palhaçadas e dos slogans ideológicos vazios.
A grande personificação dessa atitude, obviamente, está no coach e influenciador digital Pablo Marçal (PRTB), que concorre à prefeitura de São Paulo. Ele mostra que uma vez riscado o fósforo, é difícil impedir que o incêndio engula tudo que está em volta.
No debate paulistano mais recente, realizado em 31 de agosto pela TV Gazeta e pelo canal My News, Marçal usou um apelido para cada adversário e, como a tela da televisão se dividia em cada segmento de pergunta e resposta, aproveitou para fazer mímicas e caretas enquanto os outros falavam.
Datena quase foi às vias de fato com Marçal, que ainda foi chamado de “picareta” e “palhaço”. Os outros candidatos também trocaram ofensas entre si.
Na segunda, 1, durante uma entrevista à TV Cultura, Marçal admitiu que essa postura agressiva tinha apenas um intuito: gerar cortes de vídeo para as redes sociais. Sem tempo de TV, ele argumenta que a tática visa a lhe dar visibilidade equivalente à dos demais candidatos.
“Estou sem fundão, sem padrinho político, sem tempo de TV. Vocês vão ter que aguentar os cortes”, disse ele.
Os exemplos de artimanha que procura gerar algum tipo de engajamento e repercussão se multiplicam.
O ex-ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Gilson Machado (PL), disse por exemplo em uma sabatina para o jornal Folha de Pernambuco que tem apoio do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump na disputa pela prefeitura da capital pernambucana.
“Eu fui recebido pelo rei da Arábia Saudita, fui recebido pelo rei de Dubai, pelo sheik Mohammed, pelo Donald Trump. Fiquei inclusive na casa dele hospedado, a convite dele. Tenho várias fotos sobre isso”, disse Machado. Como se isso pudesse substituir algum projeto para a cidade.
Na disputa pela prefeitura de São Luís, capital do Maranhão, o embate entre os dois principais candidatos – Eduardo Braide (PSD) e Duarte Júnior (PSB) – restringiu-se ao mistério do 1 milhão de reais encontrado no início de agosto em um veículo Clio. Imagens capturadas pela Polícia Militar do estado apontam que o carro foi abandonado por Guilherme Ferreira Teixeira, ex-assessor do deputado estadual Fernando Braide (PSC), irmão do candidato de mesmo sobrenome. Compreender a origem e eventual destinação do dinheiro tem relevância política, é claro, mas a maneira como as campanhas são conduzidas faz com que os temas escandalosos empurrem todas as demais questões para fora do debate público.
“As redes sociais criam uma dinâmica diferente para a reprodução do conteúdo", diz o cientista político Leonardo Barreto, colunista de Crusoé. "No horário político eleitoral, o candidato entra pela TV, pelos grandes meios, e o eleitor apenas assiste. As redes sociais tornam o processo de comunicação mais orgânico e horizontal, porque chamam o eleitor a se engajar, a se tornar um veículo de apoio e suporte ao candidato.”
Essa nova dinâmica é um fato, mas ela ainda depende, em grande medida, daquilo que os candidatos trazem para a conversa. Marçal tem dito que se o eleitor quiser se informar sobre políticas públicas, deve procurar seu plano de governo no site da Justiça Eleitoral.
O enigma a ser decifrado é se esse é um caminho sem volta ou se existe espaço para algo que não seja pirotecnia na política dos "cortes".
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