O clube da luta organizada
Soam alertas para um confronto em massa entre torcidas no Rio de Janeiro, e eu penso na fraqueza de quem precisa demonstrar força
Os alarmes soam por aí. Em 18 de setembro, o Fluminense enfrenta o Atlético-MG no Maracanã às 19h e, a oito quilômetros dali, o Botafogo joga contra o São Paulo no Engenhão, às 21h30, ambas partidas pelas quartas-de-final da Libertadores da América.
Serão quatro torcidas organizadas na mesma cidade, sem contar a do Vasco, que costuma apoiar os atleticanos em jogos no Rio, e é rival da do Flamengo, amiga dos são-paulinos, rivais dos torcedores do Atlético.
Se esses torcedores se restringissem a torcer, não haveria qualquer problema. Mas os integrantes dessas torcidas organizadas gostam de brigar. Fisicamente. No última ocorrência de destaque, um confronto entre organizadas do Vasco e do Vitória deixou três feridos em Salvador, na noite de sábado, 31 de agosto, véspera da partida entre as equipes pelo Campeonato Brasileiro.
Quatro dias antes, o Ministério Público do Estado do Ceará deflagrou a segunda fase da Operação Apito Final, que apura a participação de integrantes de organizadas do Ceará e do Fortaleza, os dois principais clubes de futebol do estado, em conflitos e tumultos.
Em março, após a morte de um torcedor em confronto, as torcidas Máfia Azul, do Cruzeiro, e Galoucura, do Atlético, foram banidas das partidas em Minas Gerais por dois anos — o que significa que seus símbolos não podem ser exibidos nos estádios e seus instrumentos estão proibidos.
"Quem os caras são no clube da luta não é quem eles são no mundo real”, diz o narrador de Clube da Luta (Leya), mais conhecido do público geral pela interpretação de Edward Norton no filme inspirado pelo livro de Chuck Palahniuk. "Mesmo se você dissesse ao garoto na copiadora que ele teve uma boa luta, você não estaria falando com o mesmo homem”, completa.
"Quem eu sou no clube da luta não é alguém que meu chefe conhece. Depois de uma noite no clube da luta, tudo no mundo real fica com o volume reduzido. Nada pode te irritar. Sua palavra é lei. E se as pessoas quebram essa lei ou te questionam, nem isso te irrita”, segue o narrador sem nome, que se descreve como "um coordenador de campanha de recall de camisa e gravata, sentado no escuro com a boca cheia de sangue e trocando o retrovisor e os slides enquanto meu chefe conta à Microsoft como ele escolheu um tom particular de azul-centáurea claro para um ícone".
O clássico de Palahniuk é um caminho para entender essa necessidade de demonstrar força física, que, num homem, é uma das formas mais eloquentes e evidentes de expressar fraqueza. "O que você vê no clube da luta é uma geração de homens criados por mulheres”, diz o narrador na epifania mais cruel do livro.
É claro que as culpadas não são as mães. Talvez os mais culpados, se for para apontar um dedo, sejam os pais ausentes, física ou emocionalmente, que deixam aberto esse vazio para ser preenchido pela violência mais banal, e logo no ambiente do futebol, uma emulação minimamente civilizada da batalha, como qualquer esporte.
O futebol existe essencialmente para dissipar essa ânsia pela violência física. É uma forma de competir e medir forças sem se arriscar a lesões potencialmente mortais. E a torcida é parte disso, como destaquei em Torcidas únicas, um lamento sobre a imposição de clássicos com apenas uma das torcidas em São Paulo, que já vai completar uma década.
As brigas das torcidas organizadas são o aposto do futebol, uma negação do esporte. "É apenas depois de perder tudo que você está livre para fazer qualquer coisa”, diz Tyler Durden, o criador do Clube da Luta em sua retórica autodestrutiva. O livro de Palahniuk não termina bem para ele.
Rodolfo Borges é jornalista
As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)